quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Descrição



Descrever a algo ou alguém. Narrar. Contar minuciosamente. Detalhar.

Escolha o tema da sua redação. É livre.
Em vinte linhas, fale sobre você.
Valendo nota bimestral.
Make a description about yourself.

Quem não lembra das vezes que a professora do primário pediu essa tarefa de descrição?

No jardim de infância, voc tinha argila pra modelar a sua famlia e os seus sonhos (que naquela época se resumiam última Barbie Noiva da loja ou no caso dos meninos qualquer brinquedo do momento). Na pré-escola era tão simples e legal fazer isso, porque parecia algo simples, e quem acabasse primeiro poderia ir pra casa mais cedo pra poder brincar pelo resto da tarde. No primário complicou um pouquinho, já que não tinha mais a argila pra modelar nem lápis de cor ou giz de cera.

E a pontuação errada era descontada, e você aprendeu a se descrever de forma mais resumida ainda, afinal toda redação de 20 linhas tem que ser objetiva, viajar no texto é especialidade encontrada nos livros de auto-ajuda.

No ensino médio essa tarefa virou um tremendo pé no saco, porque o seu novo professor de inglês resolveu que sua vida tinha que ser escrita em inglês (e também no espaço das malditas 20 linhas), então, sua gramática melhora, sua agilidade, em contar coisas banais que te valham a nota do bimestre, aumenta invariavelmente.

Na faculdade você não precisa mais fazer isso, porque ninguém mais quer saber da sua vida e isso não vale mais nota, e as 20 linhas também no existem mais. Então, de madrugada, você está na frente do computador, tomando chá e escutando os Everly Brothers, o status do msn está em off e todos na casa dormem.

Pela primeira vez, você se pega tentando descrever a si mesmo, contar realmente algo interessante que responda a simples pergunta: quem você?

Cara! Que porra de pergunta é essa? Você não a respondeu há anos atrás?

Qual a diferença agora? É porque não vale mais nota? Ou porque se você conseguir responder é indiferente porque não vai poder voltar mais cedo pra casa e poder brincar?

Veja bem...Eu não falo em simplesmente dizer: eu sou uma pessoa feliz e amiga, e bláblá... Esse papo furado pode ser reservado pro orkut. Ah, também não comece a se lamentar e contar das suas tristezas, ou dos seus amores perdidos ou do amor que papai q mamãe não te deram. Por mais que todos amem os coitadinhos, não seja um deles.

Esse papo mais furado ainda pode ser reservado pras terapias em grupo ou pras mesas de bar.
Falo em conseguir descrever, contar, explanar, os itens que você ainda não realizou, um tipo de "wish list" ou "check list".
As coisas que você ainda quer fazer antes de ficar velhinho e morrer de "morte morrida". Ou antes, de morrer atropelado por um fusca rosa choque. Se tudo que sobrassem fossem alguns minutos, e o flashback involuntário ocorresse, no que você pensaria? Em quem?


E quando voltasse novamente à vida, se voltasse, o que você deixaria para os que ficariam?

Sei lá. Talvez não dê de entender o que eu escrevi, ou seja, chato de ler, ou eu tenha o terrível defeito de escrever demais e não saiba resumir.



"Oi, meu nome é Joice, 23 anos, sou taurina e acredito na utilidade do acaso."









Mas acabei de descobrir que eu quero a argila e/ou as 20 linhas de volta.

sábado, 23 de outubro de 2010

Perfil



Minhas manias às vezes se tornam hábitos.
Observar as pessoas, e tentar imaginar o que elas fazem durante o dia, há muito deixou de ser mania para mim. É hábito.

Em qualquer lugar que você vá, o que quer que faça, em dado momento você se pega olhando a sua volta.
Escolhe uma pessoa e fica olhando.

O que será que pensa?
Vai se encontrar com alguém?
Tomou um pé na bunda?
Levou bolo?

E a capacidade absurda de imaginar me domina totalmente.
Se vejo um homem, de preto, com uma mala preta, acho tão mais interessante crer que ele pode ter matado alguém, ou roubado um banco, do que simplesmente estar indo para o trabalho enfadonho.
Ou uma mulher, toda arrumada, óculos escuros, com cara de desconfiada. Estaria indo visitar o amante? Ou quem sabe seguindo alguém...Seria ciumenta?

Ou ir em um motel, e pensar em quantos orgasmos e posições do kamasutra aquela cama já viu.

As pessoas vão e vem, ficam ou não.
No quê pensam? O que querem da vida?
O que as motiva?
A quem amam? Odeiam alguém?
O que já fizeram de errado?

São felizes?



E é assim, que aos poucos, vou esquecendo de olhar para mim.
Não sei e nem saberei se o homem de preto, matou alguém.
Nem se a mulher bonita, iria ver o amante.
Muito menos saberei os orgasmos que teve naquela cama.


Talvez um dia eu mate alguém.
Encontre meu amante.
E seremos mais um, entre os vários casais, em uma cama de motel.
Planejando um modo mais atraente de viver, de fazer acontecer as coisas.








Ou sentando em um canto qualquer, observando.
Esperando que alguém viva ou faça, aquilo que jamais farei ou terei coragem de admitir querer fazê-lo.




E caminhando pela rotina do hoje, em seus próprios passos, todos presos como reféns em cativeiros invisíveis.

sábado, 16 de outubro de 2010

Sempre seu sempre meu, somente nosso...


Meu amor tem um sorriso que é somente dele:
Sincero quando quer me fazer apaixonar, e malicioso quando estamos a sós.
O sorriso é dele, mas ele sorri só para mim.
Meu amor tem um abraço que é só dele:
Gostoso, quente, com cheiro de roupa limpa e colônia.
Já provei vários abraços, mas é só o dele que é assim.
Meu amor tem um olhar, que é só dele:
Aquele olhar que desvenda meus segredos e me envolve por completo.
Gosto de ouvi-lo falar, mas as palavras que mais gosto, são expressas pelo olhar dele.
Meu amor tem uma voz, que é só dele:
Calma e segura, pra me equilibrar. Sedutora quando quer me enlouquecer.
Meu amor tem um beijo, que é só dele.
De todos os outros que provei, são vaga lembrança perto do que experimento agora.
Meu amor tem mãos que são só dele:
Ternas e ásperas, bem desenhadas, mas nem de longe são perfeitas.
Meu amor, tem um nome, um jeito de ser que são somente dele.
Sentimentos e idéias, e um modo de ver a vida.
Meu amor ainda não encontrei, seu nome nem mesmo sei, mas sei como será amá-lo, e como reconhecer.
Meu amor terá um detalhe, que é será somente dele:

Ele será meu e de mais ninguém.
Eu serei dele e de mais ninguém.
E esse amor será nosso, e de mais ninguém.








E dois, nunca vai ser um número tão perfeito.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Sons


“Gosto quando te calas porque estás como ausente, e me ouves de longe, minha voz não te toca. Parece que os olhos tivessem de ti voado e parece que um beijo te fechara a boca.”

Gosto muito desse poema de Pablo Neruda. Singelo e bonito.
E o titulo é perfeito, “Gosto Quando Te Calas” (ou para os entendidos no idioma: “Me Gusta Cuando Callas”) já que fala de algo que gosto muito: os sons.

De todos os tipos, que todas as pessoas fazem, em todo lugar e a qualquer momento.
A forma como os sons nos transmite as emoções, os momentos...
Se fecharmos os olhos, na total ausência da visão, e aguçarmos o sentido da audição, perceberemos como é interessante o som de tudo ao nosso redor. Como ele define a forma com a qual sua vida vem sendo levada. Sons de teclado batendo, impressoras, telefone tocando sem parar, pessoas falando...o som da vida de 90% das pessoas, presas em escritórios, reféns do capitalismo e escravos da rotina.

Um bebê que chora quando tem fome, uma torneira pingando sem parar, o som da água quente de uma ducha, os carros passando, buzinas, microondas avisando que o miojo ficou pronto, café sendo coado, um galo cantando ao longe, um copo quebrado, um pigarro para disfarçar, um salto alto ecoando no piso da sala, a TV anunciando horário político, o celular recebendo um SMS, alguém que bate na porta, um beijo estalado, talheres raspando no prato, chuva no final da tarde, onda do mar na tempestade, raios e trovões, uma guitarra desafinada, grilo na noite, cigarra cantante, o miado do gato preto, pés descalços correndo, uma janela sendo aberta, lixa passando na unha, pipoca na panela, CD arranhado, caneta riscando o papel, lápis-de-cor colorindo um desenho, corpo cansado caindo na cama, gemido de prazer, língua enroscada, sussurro ao pé do ouvido, cama rangendo, um cigarro sendo aceso e um suspiro de satisfação.

E de repente, tudo cessa, e surge o som mais significativo de todos. Aquele que diz tudo sem emitir palavra alguma: o silêncio.

O que mais responde uma pergunta, o que mais acalma um ataque de nervos, o que mais machuca, e o único que te cala em toda a sua força de expressão, o vazio, o nada, o eco do silêncio.

O silêncio e o tempo são faces do mesmo espelho: é somente na presença deles que se pode curar uma ferida, e é também na ausência deles que toda dor é intensificada.

Feche os olhos e preste atenção, que som sua vida faz?





“Gosto de ti quando calas e estás como distante. E estás como que te queixando, borboleta em arrulho. E me ouves de longe, e a minha voz não te alcança: deixa-me que me cale com o silêncio teu.”

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Grilo da Sorte


Quando eu criança, minha mãe me ensinou que ver um grilo verde, era sinal de sorte pelo resto do dia.

Como boa garota que sou, sempre tive pavor desse inseto, que além de verde, cor que detesto, era estranho e fazia um barulho mais estranho ainda.
Mas estava lembrando dessa regrinha infantil, porque encontrei um grilo hoje de manhã. E ainda era exatamente como eu lembrava: feio, verde e estranho. Mas ainda assim, raro de certa forma, já que nas ruas pavimentadas a fauna não é tão evidente aos olhos.

A situação foi bem interessante na verdade: estava a caminho do trabalho, e vi o grilo no estacionamento. Parcialmente esmagado, metade dele ainda lutando para se mover daquela agonia.

Estava atrasada, mas confesso que perdi bons minutos observando aquela cena, os olhos fixados no inseto que se revolvia espedaçado no que parecia ser uma dor lancinante.
Mas, e daí? Era um grilo, era verde, e eu teria sorte pelo resto do dia.
Ao menos esperava que assim o fosse, já que para um ser mítico portador de sorte, o destino fora cruel com ele. Ou talvez ele só dê sorte, mas seja desprovido dela.
Enfim, eu teria sorte. Pelo menos, assim falou minha mãe há uns 20 anos atrás, e mães sempre (ou quase) tem razão.

"Quando podemos ser felizes às custas da infelicidade alheia, de que importa todo o resto, certo?" ponderei rapidamente.
Com este pensamento em mente, fui enfrentar meu dia “sortudo”.
Estava mais egoísta que o habitual naquele dia, confesso.

E o dia começou: problemas, reuniões exaustivas, planilhas e relatórios, mais problemas, café ruim, banheiro inundado, refeitório deprimente, mais café ruim e gastrite à tarde.

E foi apenas um dia.
Que raios de sorte foi essa? Grilo mentiroso, falso.
Foi um dia igual à qualquer outro.

E esse foi o problema. É sempre esse o problema.
O dia de ontem constantemente se repetiria, se eu fizesse hoje as mesmas coisas de ontem, e assim será também, o dia de amanhã. A sorte deve ser constantemente trabalhada, pois de uma hora para outra, ela muda, num piscar de olhos.

Em quantos momentos ao longo de nossa vida, não encontramos outros “grilos verdes”, e baseamos nossa sorte neles? Era tão mais fácil...
Fazer pessoas de escada para uma vida, uma carreira, um sucesso. E justificar, o que é mais patético, nosso infortúnio quando os fins não justificaram os meios.
Ah Maquiavel...

Fazemos cada vez mais isso e receio, não iremos parar tão cedo. Ver nas pessoas, oportunidades, nos amigos, vantagens. E por a culpa em outro, afinal a culpa é nossa e colocamos ela em quem quisermos. Até em um grilo, verde. Verde!

Há quem passe a vida, procurando um grilo da sorte, um pé de coelho, um trevo de quatro folhas. Um amuleto ordinário qualquer.
Deve ser uma equação lógica que diga que sorte é invariavelmente mais fácil de ser encontrada do que lutar contra o azar. E de fato é.

Valeria à pena? Acho que sim, pensando friamente à curto prazo.
Duraria? Acho que não, pensando melhor à longo prazo.
E esperança é algo que por vezes, odeio tanto quanto a cor verde.

Mas continuemos, a usar, a “mesquinhar mesquinharias” e no final do dia, do ano, da vida, estaremos tal qual aquele que um dia nos propiciou (ou não) tal sorte:




Parcialmente esmagados, metade de nós ainda lutando para se mover dessa agonia.