quinta-feira, 25 de março de 2010

Dia de família


Hoje é dia de família.

Não use a maquiagem pesada dos olhos.
Mantenha suas mãos e respectivamente suas unhas pintadas de vermelho longe dos olhares.

Não conte piadas pesadas, não conteste a religiosidade da sua avó.
Não discuta sobre alimentos trans com sua tia hipocondríaca.
Não sonhe em falar que sua priminha de 3 anos não se parece nem com sua tia de 40 ou com seu tio de 60. Você sabe que foi inseminação artificial, mas finja que ela é a cópia perfeita do fracassado casamento deles.

Segure o riso na hora da oração agradecendo pelo almoço e pela fartura.
Sua avó acredita que foi Deus quem deu a macarronada de domingo. Vai ver esqueceram de contar que é o salário do seu pai que pagou. Coitadinha!

Sua tia vai falar sobre doença. Finja que se preocupa. Algum dia ela vai morrer e você e seu irmãozinho os afilhados diretos dela, logo, terão direito à herança, afinal ela é uma árvore seca que não deu belos frutos.

Sua priminha quer entrar no seu quarto e brincar de comer seu batom novo.
Na frente dos outros, diga que ela é uma gracinha e que você ama de paixão o sorriso sem dentes dela. Quando ninguém estiver olhando, ameace de esmagar os dedos dela com sua bota bico fino e arrancar as unhas dela uma por uma. Lentamente.

Não escute suas músicas. Não comente dos seus amigos.
Diga que você nunca beijou na boca, e que sexo é nojento, e seu maior sonho é ser uma freira que reza o dia inteiro.

Hora do almoço.
Coma verduras, você é saudável. Beba refrigerante. Deixe pra roubar a cerveja do seu pai de noite. Disfarce o tédio. Concorde. Sorria. Compartilhe interesse pela história de amor de seus avós. Simule lágrimas nos olhos quando pela centésima vez sua avó contar como foram difíceis os anos em que seu avô ficou anos fora de casa trabalhando. Sacana do jeito que ele era você sabe que ele se divertia com as vagabundas, mas sua avó prefere te fazer acreditar que ele passou anos somente trabalhando e se sentia feliz ao lembrar de seu lar.

Frases como:
"que interessante", "jura?", "imagine tia, bondade sua", "claro vovó, está na bíblia", "sim titio, estudo todos os dias". São altamente permitidas, como um manual de sobrevivência na selva familiar.

As mesmas pessoas vazias, as mesmas conversas sem conteúdo, você está em um abismo caindo lentamente, você grita por socorro, mas ninguém te ouve, Ninguém que ligasse. Nem que ao menos, notasse.






Alguém passa a salada?






Isso é chicória com espinafre?
Puxa vida, que delícia!

terça-feira, 23 de março de 2010

Quem procura...






Eu sempre soube que nunca tivemos nada de sério. Assim, pronunciado, declarado aos quatro ventos.
Mas até aí tudo bem. Não ter algo de sério perante os outros, não me impede de sentir que é sério para mim.

Movida por esse pensamento encorajador, que na época pareceu ser a maior verdade de todos os tempos desde a gravidade, resolvo me abster de pensar duas vezes antes de fazer alguma coisa, e decidi que iria surpreender você naquele dia: tinha conseguido na noite anterior, fazer uma cópia da sua chave.

E como um ladrão que se esgueira para roubar, assim eu queria que o fosse.
Roubaria você de vez, para mim.

A sempre racional, centrada, que nunca se abalava, seria diferente naquele dia.

Ao longo do caminho, pensava se alguém no mundo, amaria tanto à outro quanto eu amava você.

Chego na sua casa, abro a porta sorrateiramente, e entro no hall, seguindo direto para o seu quarto, onde eu sabia, tinha seu cheiro.

"Eu não deveria estar aqui, sem permissão".

E enquanto tiro a roupa, e coloco seu robe, encontro sua colônia e me perco em tudo aquilo que me lembra de você, seus cd's, as gavetas que reviro, e como um réu primário busco minha defesa perguntando:

"Você me perdoaria, amor, se eu dançasse no seu chuveiro, se eu deitasse na sua cama? Se eu ficasse a tarde inteira?"

Me permito queimar o seu incenso, e quando saio do banho, largada sobre sua escrivaninha, a carta que mudaria para sempre nossa vida:

"Oi, amor. Eu te amo tanto, amor. Encontre-me à meia-noite."

Uma caligrafia bonita, bem desenhada.
Contrastando com a minha: torta e mal feita.

A sua colônia sufocava, seus cd's arranhavam as músicas e seu incenso me enjoava.
Mas era a minha vista embaçada que me perturbava mais. Eram meus pés que tinham perdido o chão que me incomodava.


E finalmente, era ter amado demais que me fez sucumbir às lágrimas e cair no chão.






Nunca mais amei ninguém.
Mas espero que sinceramente você ame e seja amado.
Nem ódio consigo sentir mais.



Só consigo perguntar, todos os dias:






"Então você me perdoa, amor, se eu solucei no seu chuveiro? Se deitei na sua cama e chorei a tarde inteira?"

sábado, 20 de março de 2010

Então volta, vem viver outra vez ao meu lado...


Nos últimos tempos vinha sofrendo desse mal.
Não podia dormir à noite, e de dia tão pouco: a claridade incomodava e o calor também.

Acordava no meio da madrugada, presa nos lençóis, o corpo em total alerta, e sentia sempre, o coração pulsar na garganta.

Transbordando em ansiedade e eletricidade, resolvia escutar música, ou ler um livro.
Andava pela casa, no escuro, como um gato preto noturno, daqueles que você só consegue enxergar os olhos verdes na escuridão, dela só podia ver o caos.

O caos em que a mente se encontrava, o corpo que não acalmava com nada, e os ecos fragmentados de conversas nos ouvidos.

- Como você é linda...
- Sou louco por você...
- Seu corpo encaixa tão perfeito no meu...
- É só com você que vejo estrelas...







E era por isso que estranhava a cama:
Era vazia demais, faltava uma forma humana nela.








E o calor do braço que ela tanto tinha se acostumado a ter em volta da cintura dela na hora de dormir.

domingo, 14 de março de 2010

Flores, chocolates e promessas que ninguém consegue cumprir


O dia amanheceu cinzento hoje.
Frio e cinza.
Ao menos podemos pensar que a assim como tempo, a vida não precisa ser sempre preto e branco, ver as tonalidades de cinza de vez em quando é necessário.

Em meio aos tons de cinza, a rua vazia e pessoas que passam sen olhar nos olhos umas das outras, uma árvore: na beira da calçada, frondosa, florescendo em desafio ao progresso da cidade. Flores brancas zombando do dia cinzento e sem graça.

Flores...perfumes...toda a beleza exaltada e imperiosa, olhando de cima quem passava pela rua àquela hora da manhã.

É um tanto curioso perceber que podemos classificar pessoas e seus relacionamentos assim também: tudo começam com flores e seus perfumes. E promessas que ninguém pretendo cumprir. Você realça toda a sua beleza com as últimas novidades em cosméticos milagrosos. E promessas que não pretende cumprir. E também fica imperiosa se achando por cima de toda situação. E de todas as promessas que não pretende cumprir.

O tempo passa.
As flores murcham e caem todas na calçada.
A árvore fica seca, e espera pelas próximas estações pra florescer de novo. Isso se ela não tiver ficado seca por dentro sem um resquício de seiva que a faça florescer a cada nova temporada. E as mesmas flores que antes chamavam a atenção, estão todas caídas, sendo pisadas por quem passa naquela calçada, àquela hora da manhã, naquele dia cinzento e sem graça.

O tempo passa.
A beleza e o relacionamento murcham. E você joga todas as roupas da pessoa na calçada. Chora uma noite toda até ficar seca. E esperar pela próxima estação. A não ser que você tenha ficado seca por dentro também, e finja gostar mais da vida do que realmente gosta. E todo o sentimento que as pessoas valorizavam, não possuem a mesma sorte das flores que agora estão caídas no chão: estes ficaram perdidos no tempo, mas ainda assim, são pisoteados também. Por quem passar pela sua vida, àquela hora da manhã, naquele dia cinzento e sem graça.








E todas as promessas que NINGUÉM pretende cumprir.

domingo, 7 de março de 2010

Vício



Acho que essa palavra define Vida.

Para os alcoólatras, tem o álcool.
Para dependentes químicos, as drogas.
Para fumantes, o cigarro.
Os jogadores compulsivos, o próprio jogo.

Esses em especial, são os condenados, porque optaram por vícios supostamente condenados pela sociedade e pela ciência. Mas cada um tem o livre arbítrio de escolher.
Bom ou mau, certo ou errado. São conceitos pessoais e não universais.
Condenamos tudo aquilo que não podemos compreender facilmente.

Mas o vício também faz parte da sua vida.
É. Da sua.
Tão certinha, tão bonitinha, tão perfeitinha.
Você é viciado também meu bem.


Um círculo vicioso: droga-prazer-culpa-falta de prazer-droga-prazer.
O ministério da saúde adverte: você é viciado na sua vida.
Se não está viciado, você não vive, não compreende o vício de outra pessoa e é apenas coadjuvante e não protagonista.

Acho o conceito de 8 ou 80 muito válido.
Ou você sente tudo, ou não sente nada.
Viver no meio termo não dá.
É tedioso e desgastante.


Uma mãe vicia nos filhos.
Um músico viciou na profissão.
Um namorado viciou na namorada.
O pai de família viciou em fazer dívidas.
Sua amiga viciou na vida dos outros.
Seu avô viciou nas balinhas de cereja.
Você viciou nos seus amigos, na balada do sábado e na dança no meio da pista.

Para o desenvolvimento da dependência é necessário que se recorra aos efeitos prazerosos da droga. Esse efeito prazeroso chama-se Reforço Positivo.
Quando você não tem, você anseia por mais e mais.

Por isso:
A mãe fica preocupada se o filho não está em casa.
O músico precisa de inspiração, senão não pode fazer o que ama.
O namorado se desesperou porque a namorada foi viajar e ele não vai ver ela.
O pai de família descobriu que os juros são altos demais.
Sua amiga está entediada porque não tem fofoca pra fazer.
Seu avô tem diabetes.
Seus amigos estão namorando enquanto você está solteiro, a balada do fim de semana não vai rolar, e a música que você gostava não toca mais nas pistas.

O que você vai fazer?
Vai procurar outro vício.
Que estimule e te dê a mesma sensação de prazer de antes.
Porque você não pode viver uma vida sem graça.
Sem estar viciado no prazer de viver.

Não condene o cara caído na sarjeta.
Ele viciou em cocaína.

Imagine se você perder o que mais te dá prazer na vida.

Pra onde você vai?

Pro lado do cara que era viciado em cocaína.
Vocês dois tem algo em comum:




Viciaram no prazer.
Em...VIDA.

quinta-feira, 4 de março de 2010

I'm losing my favourite game, and you're losing your mind again?


- Onde estão as minhas chaves?
- Em cima da mesinha de vidro que fica no hall de entrada.

Realmente estavam lá.
Odiava o fato de ser tão descuidada e deixar passar detalhes assim, como esquecer as chaves e não lembrar de onde as tinha colocado. Ainda mais agora, que precisava tanto encontrá-las e ir embora dali. Logo.

- Não sei como sempre esqueço onde coloco as chaves.
- Descuido é uma característica sua. Muito marcante por sinal.
- Defeito de fábrica talvez.
- Inconsciente mesmo. Você não lembra nunca onde põe as chaves, porque nunca quer ir embora.
- Presunção é uma característica sua. Muito marcante por sinal.
- Jogos de palavras?
- Toma lá, dá cá.

(...)

- Sinto falta da sua risada histérica, e o jeito como torce o nariz quando não gosta de alguma coisa.
- Minhas chaves!
- Não está esquecendo de nada?
- O quê?
- Seus brincos. Os preferidos que você sempre usa. Ficaram na mesinha ao lado da cama.
- Ah...






Assim como as chaves que esquecia onde colocava, os brincos também eram um pretexto inconsciente, para voltar e repetir por vezes, a noite passada.






E ele não perdia nada.
Só sabia sorrir diante da confirmação muda:







Make up the bed! I'm coming home!