sexta-feira, 1 de outubro de 2010
Grilo da Sorte
Quando eu criança, minha mãe me ensinou que ver um grilo verde, era sinal de sorte pelo resto do dia.
Como boa garota que sou, sempre tive pavor desse inseto, que além de verde, cor que detesto, era estranho e fazia um barulho mais estranho ainda.
Mas estava lembrando dessa regrinha infantil, porque encontrei um grilo hoje de manhã. E ainda era exatamente como eu lembrava: feio, verde e estranho. Mas ainda assim, raro de certa forma, já que nas ruas pavimentadas a fauna não é tão evidente aos olhos.
A situação foi bem interessante na verdade: estava a caminho do trabalho, e vi o grilo no estacionamento. Parcialmente esmagado, metade dele ainda lutando para se mover daquela agonia.
Estava atrasada, mas confesso que perdi bons minutos observando aquela cena, os olhos fixados no inseto que se revolvia espedaçado no que parecia ser uma dor lancinante.
Mas, e daí? Era um grilo, era verde, e eu teria sorte pelo resto do dia.
Ao menos esperava que assim o fosse, já que para um ser mítico portador de sorte, o destino fora cruel com ele. Ou talvez ele só dê sorte, mas seja desprovido dela.
Enfim, eu teria sorte. Pelo menos, assim falou minha mãe há uns 20 anos atrás, e mães sempre (ou quase) tem razão.
"Quando podemos ser felizes às custas da infelicidade alheia, de que importa todo o resto, certo?" ponderei rapidamente.
Com este pensamento em mente, fui enfrentar meu dia “sortudo”.
Estava mais egoísta que o habitual naquele dia, confesso.
E o dia começou: problemas, reuniões exaustivas, planilhas e relatórios, mais problemas, café ruim, banheiro inundado, refeitório deprimente, mais café ruim e gastrite à tarde.
E foi apenas um dia.
Que raios de sorte foi essa? Grilo mentiroso, falso.
Foi um dia igual à qualquer outro.
E esse foi o problema. É sempre esse o problema.
O dia de ontem constantemente se repetiria, se eu fizesse hoje as mesmas coisas de ontem, e assim será também, o dia de amanhã. A sorte deve ser constantemente trabalhada, pois de uma hora para outra, ela muda, num piscar de olhos.
Em quantos momentos ao longo de nossa vida, não encontramos outros “grilos verdes”, e baseamos nossa sorte neles? Era tão mais fácil...
Fazer pessoas de escada para uma vida, uma carreira, um sucesso. E justificar, o que é mais patético, nosso infortúnio quando os fins não justificaram os meios.
Ah Maquiavel...
Fazemos cada vez mais isso e receio, não iremos parar tão cedo. Ver nas pessoas, oportunidades, nos amigos, vantagens. E por a culpa em outro, afinal a culpa é nossa e colocamos ela em quem quisermos. Até em um grilo, verde. Verde!
Há quem passe a vida, procurando um grilo da sorte, um pé de coelho, um trevo de quatro folhas. Um amuleto ordinário qualquer.
Deve ser uma equação lógica que diga que sorte é invariavelmente mais fácil de ser encontrada do que lutar contra o azar. E de fato é.
Valeria à pena? Acho que sim, pensando friamente à curto prazo.
Duraria? Acho que não, pensando melhor à longo prazo.
E esperança é algo que por vezes, odeio tanto quanto a cor verde.
Mas continuemos, a usar, a “mesquinhar mesquinharias” e no final do dia, do ano, da vida, estaremos tal qual aquele que um dia nos propiciou (ou não) tal sorte:
Parcialmente esmagados, metade de nós ainda lutando para se mover dessa agonia.
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3 comentários:
No final de nossas vidas ordinárias, estaremos parcialmente esmagados lutando, agonizando...
Adorei o texto, e como ele é transparente, verdadeiro e mostra como somos mesquinhos.
Escritora você é demais...
Saudade dos teus textos.
Beijos
Li repedidamente a frase:
"a sorte é invariavelmente mais fácil de ser encontrada do que lutar contra o azar."
XD Adorei, me prendi fácil a leitura.
Muito bom o texto todo.
GUGA
Eu fico horas algumas vezes, só olhando formigas... Para onde vão, onde entram, onde somem e onde aparecem...
E me assusta como elas sabem mais sobre o que fazer da vida delas, do que os seres humanos.
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