Era praticamente uma terapia mergulhar o corpo agradavelmente dolorido na água quente da banheira. Que diabo de dia horrível.
Além do frio cortante, do trabalho monótono, das aulas longas e das pessoas que falam sobre a vida alheia com mais facilidade do que falam da sua própria, ainda estava sem cigarro e o uísque da coleção particular do seu pai já tinha acabado há muito.
Fecha os olhos, inclina a cabeça e suspira, pensando no dia, no sentido daquele dia tão ruim. “Nada como um dia após o outro”.
Baboseira.
O que interessa é o agora, amanhã é muito longe e ontem nem existiu, mas hoje, nesse instante um sentido seria algo interessante.
A água vai aquecendo o corpo e os pensamentos.
E na sua memória, ele ainda existe, é impossível não pensar nele por pelo menos trinta segundos todos os dias, é como um mau hábito, um defeito imutável, que está sempre lá, e de repente emerge com força total.
Quanto tempo desde a última vez?
Alguns anos, alguns dias, algumas semanas, algumas horas e alguns segundos.
Você sabe exatamente, seu corpo sabe, pois cada poro dele sentiu falta do toque e da sensação.
O dia não foi ruim pelo frio cortante, inverno sempre foi sua estação preferida, você tem um bom emprego, as aulas costumavam ser prazerosas, e as pessoas monótonas eram seus amigos.
Você não fumava e não gostava de uísque, porque descia cortando a garganta.
Mas suas mãos precisavam ficar ocupadas, e o cigarro agora encaixa perfeito entre seus dedos, e a bebida que queimava antes, desce macia, pois na sua garganta tem um nó.
Abre os olhos, e sua visão é embaçada, você pisca incessantemente, mas elas insistem em rolar, e você se permite chorar, e soluçar, e de repente você começa a rir, num paradoxo patético e confuso.
Tremendo, de nervosismo e frio, porque a água já esfriou e você sente no corpo os efeitos da sua divagação, que junto com uma possível gripe pra melhorar seu quadro atual, vem também uma constatação: Você está com saudade.
Sempre esteve, mas seu sério problema de não admitir as coisas não te deixou ver isso, e horrorizada, você levanta da banheira, com as pernas trêmulas, e com mãos nervosas enxuga o corpo arrepiado, e quando ousa levantar os olhos, vê sua imagem no espelho, e é uma estranha te encarando, ou pelo menos encarando o que você é agora:
Uma sombra.
Um comentário:
Estou com saudades daqui. E de você também.
Pelo menos o cigarro está aqui. E o whisky também.
Mas ainda sim o frio corta...
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