Cansava de ver todos os dias serem iguais.
Desde a tenra idade, sabia que estava fadada a seguir os passos da mãe.
E seu maior medo, teria forma: encontrar um homem igual ao pai. E ser condenada à pior das mortes: a de si mesma.
Vivendo sempre naquela casa arrumada, que não permitia bagunças nem a mínima sujeira.
A sala de móveis bonitos, os tapetes escovados, os cristais que eram herança de família, juntamente com a vida comum: que também era herança de família.
Um jardim com rosas e lírios, pés de acerola e ameixa, para adoçar o verão da criança daquela casa: que vivendo entre adultos, pensava como um deles.
E se decepcionava desde cedo com o futuro que teria. A mesma frustação. As conversas sem conteúdo de todos os Natais, e aquele ovo de Páscoa do ano passado.
Nem os sabores se renovavam, porque as pessoas não renovam a si mesmas.
E ela crescia, vendo a mãe fazendo as mesmas tarefas domésticas, e o pai as mesmas cobranças. E o amor que existia nos filmes, nos filmes ficavam.
Já sabia o que esperar de todos os dias, a partir do momento que abria os olhos, até a hora de fechar novamente. Esperava apenas, que o dia passasse muito rápido, e que ela pudesse enfim, fechar os olhos e dormir, para encontrar no sonho da criança que ainda vivia nela, algum consolo para a vida que levava.
Cansou de adentrar pela porta daquela cozinha, que cheirava a bolo pão de ló e chocolate, e ver a mãe enxugando com a pontinha da renda do avental, as lágrimas sorrateiras que insistiam em rolar rosto abaixo.
Disfarçava toda vez que via sua pequena olhando com os seus "olhos de jabuticaba" e interrogando.
- Por quê você chora?
- Não é um choro minha pequena, é um lamento de alguém que está muito cansada.
- O que te cansa?
- O que alguns chamam de: vida. Isso me cansa.
- Mas mesmo cansando, vida não é melhor do que a morte?
- Às vezes, a morte oferece um novo começo que a vida não traz mais.
O pai viajou novamente naquela noite, nos bares de então, para buscar com a mesma maneira doentia, uma razão de ser, e um copo de bebida qualquer que o fizesse atrasar a hora de voltar para casa.
A mãe, foi encontrada na mesma noite, banhada em sangue, na banheira bonita do banheiro.
A mesma banheira onde ela dava banho na filha todas as tardes, a mesma banheira que sempre era impecavelmente limpa: Aquele dia, estranhamente, estava imunda com a pior das sujeiras humanas:
A frustação, o comodismo, e o medo de mudar.
Além do sangue quente, que jorrou dos pulsos da bela mulher de 28 anos que resolveu que cortar os pulsos seria a coisa certa a se fazer.
- Mamãe, onde estão os alvejantes, para tirar esta sujeira? Mamãe, me responda...não consigo limpar o que você fez.
E jamais conseguiria.
Nenhum comentário:
Postar um comentário